Pablo Peixe*
“O videogame, quando utilizado de forma adequada, pode ser uma boa ferramenta no processo de ensino e aprendizagem. Para tanto, sua aplicação nas escolas deve levar em conta a forma de mediação realizada pelos professores, a fim de estimular o desenvolvimento das capacidades cognitivas e das relações afetivas.”
O videogame é um dos artefatos tecnológicos mais utilizados por crianças e adolescentes em todo o mundo. Uma das explicações para essa preferência é o potencial que ele tem de agregar áudio e vídeo em narrativas interativas mais elaboradas que os conteúdos disponibilizados pela televisão e pelo cinema. Embora ainda sejam muito populares, esses meios de comunicação massivos convencionais implicam um estado de passividade de seus consumidores; por outro lado, essa possibilidade que o videogame proporciona ao usuário de sair da posição passiva e assumir papel ativo é uma das chaves de sua popularidade atualmente.
Em consequência da revolução nos meios de comunicação, a humanidade, de maneira geral, é constantemente bombardeada por diversos meios e veículos. YouTube, Netflix e outros serviços de streaming, televisão, redes sociais, videogames, música e cinema são os exemplos mais comuns desse consumo midiático desenfreado. E, de fato, são recursos tentadores, divertidos e facilmente controlados por seus consumidores.
Essa intensificação do consumo de entretenimento e informação nos últimos tempos resgata uma preocupação já antiga a respeito da influência que os meios de comunicação de massa exercem sobre a juventude. Tal preocupação também se alimenta dos medos e anseios de famílias e professores acerca da falta de controle sobre as crianças e os adolescentes, e da dificuldade de compreender seu “espírito rebelde” e lidar com ele. No entanto, a despeito das ressalvas pessimistas e do receio de que a televisão possa inspirar violência ou provocar o isolamento social, há algum tempo a TV passou a servir a muitas famílias como “babá eletrônica”, hoje substituída por tablets e celulares, comuns em locais públicos para “acalmar” os filhos das gerações mais recentes.
No senso comum, a maior parte das pessoas acredita que os videogames causam diversos males à saúde, ao indivíduo e até à sociedade, entre os quais o vício, o isolamento social e a violência. Na verdade, além do natural choque geracional existente entre jovens e seus pais ou professores, a falta de conhecimento e o pouco interesse em relação a esses artefatos tecnológicos contribuem para o receio e a desconfiança de famílias e educadores quanto ao uso dos videogames nas escolas.
Se o receio se referir à violência, é preciso compreender que os videogames são classificados em diferentes categorias, entre elas o gênero. Dependendo do tipo de jogo escolhido, o usuário pode, em vez de apreender formas e processos geradores de violência, adquirir conhecimentos de História, de Geografia, sobre a expansão dos impérios, as formas de comércio, os cenários onde foram travadas batalhas históricas etc.
De acordo com o psicólogo Lev Vygotsky (1896-1934), os jogos propiciam o desenvolvimento da linguagem, do pensamento e da concentração. Atividades lúdicas, como os videogames, podem influenciar positivamente o desenvolvimento do jovem, que, assim, aprende a agir corretamente em determinadas situações e exercita sua capacidade de discernimento e tomada de decisão. O videogame, quando utilizado de forma adequada, pode ser uma boa ferramenta no processo de ensino e aprendizagem. Para tanto, sua aplicação nas escolas deve levar em conta a forma de mediação realizada pelos professores, a fim de estimular o desenvolvimento das capacidades cognitivas e das relações afetivas. Dessa perspectiva, mesmo que os jogos não sejam classificados como educativos, podem auxiliar na aprendizagem em sala de aula.
Analisando o vasto universo de títulos disponíveis, alguns jogos já abarcam recursos que podem ser considerados pedagógicos. É o caso de Civilization, que conjuga a necessidade de adquirir conhecimentos sobre cadeias produtivas e relações comerciais. Nesse jogo, o usuário é gestor de uma grande civilização, administra recursos como estoque de madeira, ferramentas e comida, e precisa saber fazer escolhas adequadas e tomar decisões pertinentes ao gerenciamento da sociedade que se forma.
Para que possa prosperar, uma série de tarefas precisa ser efetivada: a extração de recursos naturais (madeira), a caça, a criação de animais etc. Novas necessidades vão surgindo com o aumento populacional e a cadeia produtiva tem de ser estabelecida e ampliada para satisfazer a necessidade de progresso e consumo dos habitantes. Como não existem territórios que disponham de todas as possibilidades de extração dos diversos recursos naturais necessários à vida dos habitantes, o comércio entre as nações e os povos precisa ser estabelecido, inevitavelmente.
O exemplo do jogo Civilization, entre outros, demonstra que habilidades cognitivas e competências socioemocionais como gerenciamento de recursos, tomada de decisões, raciocínio lógico, cooperação podem ser desenvolvidas utilizando videogames como ferramentas potencializadoras nas práticas pedagógicas.
Atualmente, crianças e adolescentes têm acesso a muitas informações, assim como o professor, através da internet, das bibliotecas virtuais, dos sites de busca etc. É preciso considerar também que as crianças e os adolescentes já nascem inseridos nessa realidade, enquanto o professor, muitas vezes, deve buscar o entendimento dessas novas tecnologias.
Portanto,talvez a grande diferença entre o professor e o aluno não esteja na quantidade de informação consumida ou adquirida, e sim no modo como ambos se apropriam da informação e a utilizam. Desse modo, famílias e educadores precisam estar cientes do surgimento de novos espaços de aprendizagem na sociedade atual, bem como das novas formas de acesso ao conhecimento.
Por mais que haja empatia entre o professor e seus alunos, fazer uso de um jogo como Civilization possibilita a aquisição de conhecimentos de forma mais prazerosa. Para os adolescentes – mesmo com o professor na condução do aprendizado –, atuar em situação de comando na gestão (ainda que fictícia) de uma nação (como no Civilization), de forma compartilhada ou exercendo papéis em lados opostos aos seus colegas, possibilita a sociabilização, sobretudo de conhecimentos.
Um educador que se esforça para conhecer e entender os jogos pelos quais os alunos se interessam abre para si a possibilidade de participar da atividade, como mediador, explicando, no caso do Civilization, as dificuldades enfrentadas em diferentes épocas nos confrontos por território e riquezas, a necessidade de estabelecer formas de comércio e as razões e motivações dos conquistadores para se lançar ao mar.
A partir desse exercício, o choque geracional pode ser superado e o professor/mediador assume papel preponderante nas elucidações necessárias à compreensão do “processo civilizatório”.
Por fim, essas experiências interativas devem ser acompanhadas e compreendidas pelos familiares ou responsáveis. Eles precisam começar a assumir esse papel, assim como o professor/educador, buscando entender o universo dos videogames, seja fazendo questionamentos provocadores, seja colocando o filho em situações hipotéticas de dilemas morais.
Desse modo, a comunicação entre adultos e jovens se torna mais eficiente, possibilitando maior entendimento sobre a influência do videogame tanto nas relações de aprendizagem como nas relações sociais. Para isso, é necessário deixar de condenar os videogames e passar a observar seu potencial pedagógico e, mais do que tudo, treinar uma escuta atenta daquilo que interessa e mobiliza crianças e adolescentes.
*Possui graduação em História pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), especialização em Novas Tecnologias Educacionais pela Faculdades Integradas de Jacarepaguá (FIJ) e mestrado em Comunicação e Culturas Midiáticas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Educador por profissão e game designer por paixão, possui experiência em formação pedagógica e atua no desenvolvimento de recursos tecnológicos educacionais: jogos digitais educativos, aplicativos de arquivologia interativa e museus virtuais para exposição de peças em 3D. Atualmente é supervisor pedagógico na Santillana Educação e desenvolve trabalhos com metodologias ativas, jogos digitais educativos e práticas pedagógicas potencializadas pelas tecnologias.