Douglas Calixto*
Como transformá-lo em recurso educativo?
Podcast é o assunto do momento. Se você nunca ouviu ou compartilhou algum programa em plataformas como SoundCloud, Spotify e Deezer, é melhor atualizar a sua “frequência”, pois a “onda podcaster” veio para ficar. No Brasil, por exemplo, a Associação Brasileira de Podcasters (ABPod) afirma que milhões de pessoas escutam diariamente novos programas. Nos Estados Unidos, estima-se que o mercado de podcast já movimenta mais de 200 milhões de dólares por ano.
O sucesso estrondoso obriga educadores e familiares a conhecer e explorar essa linguagem, da qual o público jovem é o principal consumidor. Por que os jovens gostam tanto dessa linguagem? Como podemos usar o podcast como recurso pedagógico?
Universo podcaster
Para pais, mães, responsáveis e professores que nunca ouviram falar a respeito, aqui está uma definição: podcast é um arquivo de áudio, como um programa de rádio, porém produzido para circular na internet. Espontâneo e dinâmico, o podcast é um produto típico da geração acostumada com a cultura das redes sociais.
Já o podcaster é a pessoa ou grupo/entidade que produz podcasts. Alguns dos podcasters que trabalham e referenciam o universo da educação são: Fronteiras da Ciência, Imposturas Filosóficas, Chutando a Escada, Papo de Educador.
Os primeiros podcasts criados no Brasil, em geral, eram programas musicais, de humor ou sobre cultura “nerd”. Hoje, uma de suas características é a variedade de temas: moda, arquitetura, games, filosofia, esportes, geopolítica, economia, variedades e, claro, educação — qualquer assunto pode virar podcast. O podcaster não está preocupado em atingir um público amplo e plural, como é o caso da televisão ou do cinema. Seu objetivo é atingir uma audiência segmentada e fiel, identificada com a temática do podcast.
Uma das razões do sucesso dessa linguagem é que não há a necessidade de uma programação completa, como ocorre em uma radioemissora comercial. Basta escolher um assunto ou tema de interesse para circular na internet. Atendendo a nichos de interesses diversos e graças à cultura de compartilhamento, os podcasts são feitos sob medida para um público cada vez mais ávido por produtos personalizados.
Outro fator que garante sucesso aos formatos de áudio na internet é a falta de tempo do consumidor, ou melhor, a “correria” cotidiana. Diariamente, cumprimos diversas tarefas, seja no trabalho, seja em casa, e muitos também gastam horas e horas no trânsito ou no transporte público. Sempre temos a sensação de que estamos atrasados ou que deixamos algo por fazer.
O podcast permite escutar o programa favorito enquanto realizamos outras tarefas, como dirigir, viajar, andar de bicicleta, correr, ir à academia, lavar o carro, limpar a casa etc. Além disso, podemos pausar um programa e voltar a ouvi-lo no momento que quisermos, sem ter que acompanhar programações fixas, como no rádio ou na televisão. O podcast está sempre a um clique do celular e, pensando em uma juventude altamente conectada, ele está sempre bem próximo dos estudantes.
Podcast como recurso pedagógico
Se o sucesso do podcast é um fenômeno mundial, entre os jovens o impacto é ainda maior. Diversas pesquisas apontam que essa é a mídia favorita de parcela considerável de estudantes do Ensino Fundamental e Médio.
Com isso, surgem pelo menos duas ponderações que pais e mães, educadores e educadoras precisam fazer: (1) considerar o estudo e a produção de podcasts como ferramentas educacionais, oportunizando que os jovens possam desenvolver habilidades comunicativas; e (2) mensurar qual é a importância da linguagem radiofônica, sobretudo a oralidade, na formação cultural e intelectual dos jovens.
Criatividade, liberdade imaginativa, simplicidade de produção, baixo custo e agilidade são algumas das características do podcast que fazem dessa ferramenta grande aliada no contexto escolar. Estimular alunas e alunos a produzir podcasts no estudo das disciplinas curriculares contribui para formar um “estudante protagonista”.
Por meio da experiência podcaster, as habilidades comunicativas, a prática coletiva e as pesquisas são trabalhadas intensamente. Gravar, editar e publicar um programa de rádio também exige comprometimento, atenção e desenvolvimento de competências administrativas. Ou seja, mais do que uma “mídia”, o podcast na escola é uma atividade cultural e intelectual desafiadora.
Cientes dessa potencialidade, docentes de disciplinas como História e Língua Portuguesa, e mesmo de áreas como Física e Matemática, podem utilizar o podcast para que estudantes produzam conteúdos curriculares. O podcast também contribui para que a “rádio escolar” passe a contemplar as ferramentas disponíveis na internet para desenvolver atividades didáticas.
Historicamente, se o rádio criou condições para que docentes e estudantes pudessem elaborar novas formas de trabalhar os conteúdos das disciplinas, o podcast traz um novo elemento: o poder de compartilhamento na internet.
Com Whatsapp e Facebook, os estudantes podem elaborar vinhetas e programas para circular entre colegas sem depender de aparelhos de radiodifusão. Assim, abre-se a possibilidade de aproveitar o interesse dos estudantes para gerar engajamento nas atividades didáticas.
Essa é a famosa educação “fora da caixa”, ou seja, o ensino torna-se mais participativo, envolvente, e os estudantes trabalham de forma mais lúdica com o conteúdo das aulas. O podcast, em última instância, vale-se do universo cultural de alunas e alunos para criar uma rotina dinâmica e criativa na escola.
É nesse sentido que a linguagem radiofônica oferece amplo leque de possibilidades didáticas e pedagógicas. Por exemplo, ao produzir e ouvir podcast, podemos desenvolver a interpretação de textos e construir relações multidisciplinares. Além disso, a escuta consciente, ou seja, ouvir com atenção, pode contribuir para a construção de habilidades que ajudam na comunicação oral e na expressividade.
Outra forma de utilizar o podcast no contexto escolar é aproveitar programas que já existem como material de pesquisa para as aulas. Os estudantes podem se organizar, por exemplo, em duplas ou grupos, e escolher um episódio de podcast orientado pelo professor.
O principal desafio para considerar o uso de podcast como recurso pedagógico é vencer a desconfiança — e, por vezes, o medo — de trabalhar com uma tecnologia na educação. Nesse sentido, vale lembrar que o objetivo pedagógico não é produzir áudio com fins comerciais, estabelecendo metas de mercado ou fazendo uso de ferramentas profissionais, mas sim promover a apropriação de técnicas e explorar possibilidades temáticas do podcast a fim de inovar e criar na rotina escolar, independentemente de qual ferramenta será utilizada.
Os caminhos de emprego e utilização do podcast no contexto educativo são quase inesgotáveis. O mais importante, no entanto, é considerar que a finalidade de fazer uso do áudio na escola não é o entretenimento nem a brincadeira: trata-se de um prática pedagógica inclusiva, que se aproveita da cultura dos jovens para produzir sentidos e linguagens. Isso significa, na prática, que, ao produzir ou utilizar um podcast na educação, estamos proporcionando engajamento e interesse às novas gerações. Mais do que um instrumento ou uma mídia, o podcast favorece a interface entre temas, interesses, paixões e o cotidiano da escola.
*Jornalista formado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). O trabalho “Memes na internet: entrelaçamentos entre Educomunicação, cibercultura e a zoeira de estudantes nas redes sociais” rendeu-lhe a indicação como melhor mestrado de Comunicação da USP em 2017 e o prêmio Francisco Morel de melhor mestrado do Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação 2018 (Intercom). Desenvolve pesquisa e cursos nas áreas de Comunicação, Educação e cibercultura, sendo o mais recente sobre podcast e educação no Instituto Singularidades. É também um dos autores do livro Comunicação e Educação: aceleração social do tempo, organizado pelo prof. Adilson Citelli (USP) e cocriador do projeto Aula Pública, programa de divulgação científica. Integra o grupo de pesquisa Mediações Educomunicativas, coordenado pelo prof. Adilson Citelli da ECA-USP. Ex-atleta universitário do Lassen College (EUA), atualmente é supervisor de comunicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e escreve para o blog Educação e Mídia da Gazeta do Povo.