Adriessa Santos*
“Família e escola devem ficar atentas aos adolescentes. Por mais que não pareça, eles as querem por perto, gostam de se sentir acolhidos e precisam de espaço para diálogo, diálogo e mais diálogo.”
Você já presenciou alguma cena em que um adolescente apresenta um comportamento imprevisível, em que as emoções parecem surgir do nada e ocorre um desfile de identidades que mudam tão rapidamente quanto o guarda-roupa de uma modelo de passarela? Ou, então, tente relembrar de que modo a criança costuma responder a propostas como ir à casa dos avós, tomar um sorvete ou jogar bola, por exemplo.
Provavelmente, as respostas animadas são acompanhadas de um “Oba!”. No entanto, as respostas dessa mesma criança a esses mesmos convites, ao chegar à adolescência, podem, além de ser um “Aff…”, vir acompanhadas de uma virada de olhos e pouquíssima disposição. Mas o que causa toda essa mudança? Neste texto, vamos discutir algumas das contribuições que as pesquisas lançam sobre essa fase que é tão importante para o nosso desenvolvimento. Com vocês: a adolescência.
O cérebro em transformação
O cérebro do adolescente é um projeto de construção intenso e diferente de tudo o que acontece em qualquer outro momento da vida. Por isso, situações que para um adulto parecem ser simples e sem necessidade de alarde, para um adolescente podem levar a um ataque de ira ou ao puro torpor.
Na adolescência, o cérebro recebe influência de novas mensagens químicas e vai sendo remodelado, reorganizado, amadurecido. Aumenta a velocidade com que as informações passam pelo que simplificadamente podemos chamar de “rodovias” – aqui representando as redes neurais –, e algumas “rotas” (sinapses) antigas são fechadas, o que na ciência chamamos de poda neural. Por outro lado, as “rodovias” mais antigas fazem muitas novas conexões com outras “rodovias” e outras “cidades”, processo chamado de neuroplasticidade.
A parte da frente do cérebro (região da testa), chamada de córtex pré-frontal, é responsável pela capacidade de planejar, pensar nas consequências das ações, resolver problemas e controlar os impulsos, e é a última área do cérebro a ser remodelada, continuando até o início da idade adulta.
Como o córtex pré-frontal ainda está em desenvolvimento na adolescência, os jovens podem contar com uma região do cérebro chamada amígdala para tomar decisões e resolver problemas; ocorre que a amígdala está associada a emoções, impulsos, agressões e comportamento instintivo. Isso explica muitos dos comportamentos típicos dos adolescentes e não compreendidos pelos cérebros já maduros (no caso, o seu).
Um cérebro em transformação significa uma identidade em transformação
Por causa de todas as mudanças que estão sucedendo no cérebro, bem como no mundo social e escolar dos adolescentes, estes apresentam profunda necessidade de se definir, de esclarecer quem são e o que representam. Como estão perdendo sua identidade pré-adolescente, estão desesperados por assumir uma nova personalidade. As escolhas dessa fase podem ter aspectos construtivos ou destrutivos.
Muitas vezes, a nova identidade é influenciada pelos pares, para melhor ou para pior. Como os adolescentes não sabem claramente o que querem ou o que podem fazer, gostam de experimentar muitas coisas diferentes. Isso os ajuda a descobrir o que funciona individualmente, o que parece certo e quem eles estão se tornando. O papel dos pais e professores nesses casos é permitir e incentivar a exploração segura.
A abordagem construtiva da formação da identidade, que deve ser apoiada pelos pais e professores, passa por assumir novos hobbies, fazer novas aulas e envolver-se em novas organizações, por exemplo. A exploração supervisionada desse novo território deve ser incentivada. Os adolescentes precisam de orientação e não de liberdade irrestrita; necessitam de novidade, mas dentro de limites.
O tédio característico da adolescência
O tédio é outra qualidade que se manifesta com intensidade na adolescência, o que parece um contrassenso, ao avaliarmos a necessidade desses sujeitos de viver novas experiências. Para compreender mais essa transformação, vamos falar sobre um importante neurotransmissor: a dopamina.
Em linhas gerais, a dopamina é uma molécula responsável pelo prazer e motivação do ser humano. É liberada por uma célula cerebral, chamada neurônio, e precisa de uma “porta” para entrar em outro neurônio e produzir o seu efeito. A essa “porta” damos o nome de receptor de dopamina.
No organismo dos adolescentes ocorre algo importantíssimo: uma redução de um terço da quantidade de receptores de dopamina. E qual a implicação disso? Tudo passa a ser um tédio! Nessa fase, para chegar aos mesmos níveis de prazer anteriores, os adolescentes começam a buscar atividades desafiadoras e a correr riscos. Justifica-se, desse modo, o interesse por jogos violentos, a direção em alta velocidade, a busca pelo sexo e o perigo das drogas. Claro que há outros fatores associados, mas a redução dos receptores de dopamina está fortemente atrelada a esse gosto peculiar dos adolescentes por desafios.
Ao se falar sobre esse assunto, frequentemente se questiona quando esses receptores estarão de volta, mas, embora essa pareça ser a solução dos problemas, a resposta é que eles não voltarão. Aliás, que bom, porque, mesmo que pareça algo ruim, trata-se de uma conquista. A redução dos receptores atua e influencia diretamente na capacidade de fazer escolhas e realizar novas descobertas. A atenção que deve ser dada aos adolescentes é que as decisões de risco ainda são perigosas nessa fase, porque o córtex pré-frontal está imaturo, como já mencionado, e eles não são capazes de avaliar as consequências negativas de suas escolhas.
Portanto, família e escola devem ficar atentas aos adolescentes. Por mais que não pareça, eles as querem por perto, gostam de se sentir acolhidos e precisam de espaço
para diálogo, diálogo e mais diálogo.
O cérebro e o ambiente na adolescência
A combinação entre cérebro e ambiente influencia a maneira como os adolescentes vão agir, pensar e sentir. Portanto, vale a pena refletir sobre a variedade de atividades e experiências de que eles participam — música, esportes, estudo, idiomas, videogames. Mas convém lembrar que, embora os estímulos sejam muito importantes, é preciso cautela para não sobrecarregá-los, caso contrário, outros problemas poderão surgir.
O que um adolescente faz e a que ele é exposto durante esse momento da vida tem grande influência no futuro, porque as experiências e necessidades moldam o processo de poda e neuroplasticidade no cérebro. Portanto, se um adolescente estiver jogando muito videogame, isso moldará seu cérebro de tal forma que ele pode se tornar um excelente piloto de caça, por exemplo, mas estimulará pouco outras habilidades.
Você é o modelo mais importante que seus filhos têm. Certamente, os amigos são imprescindíveis para eles, mas a maneira como você se comporta e cumpre suas responsabilidades terá efeito profundo e duradouro em seus filhos.
O que a família pode fazer?
- Discutir as consequências de suas ações pode ajudar os adolescentes a vincular o pensamento impulsivo aos fatos. A discussão promove a elaboração e ajuda o cérebro a fazer essas conexões.
- Lembre aos adolescentes que eles são competentes e os ensine sobre resiliência. Por estarem tão concentrados no momento, eles têm dificuldade em perceber que podem
desempenhar um papel de mudança em situações difíceis. Cabe a nós lembrá-los que eles já passaram por momentos desafiadores e que a superação foi a linha de chegada.
- Familiarize-se com as coisas importantes para a adolescência. Isso não significa que você precisa gostar de música K-pop, mas mostrar interesse pelas coisas em que estão envolvidos no cotidiano indica que você se importa.
- Aproveite a rotina da família para delegar responsabilidades na vida de seu filho. Lembre-se de que o cérebro do adolescente está em formação e muito do adulto que você espera encontrar lá na frente está relacionado com as demandas de estímulo que você vai lhe oferecer agora.
- Pergunte aos adolescentes se querem que você responda quando eles trouxerem problemas ou se apenas esperam que você os ouça. Parece banal, mas isso faz toda a diferença na relação, porque os pais tendem a dar conselhos para tentar resolver os problemas de seus filhos, ou a culpá-los, o que pode torná-los menos propensos a serem abertos com os pais no futuro.
- Permita que o adolescente se frustre. Todas as vezes que você quiser ir à escola, por exemplo, para reclamar da nota baixa que ele tirou — mesmo sabendo que ele não se dedicou como deveria –, a fim de evitar que ele sofra, lembre-se, sem dúvidas, que o seu filho vai se frustrar e se decepcionar na vida, e é de grande valia que essas primeiras experiências sejam com você ao lado.
São iguais, mas diferentes
Embora tenhamos apresentado pontos comuns dessa fase, é muito importante frisar que todo adolescente é único e requer uma atenção diferenciada. Portanto, esforce-se para ver quais são as melhores qualidades de seu adolescente — onde estão suas singularidades — e ajude-o a encontrá-las.
E se você quer uma dica de ouro e que a ciência ajuda a embasar, anote aí: Seja a pessoa que você quer ver no seu filho. A educação se faz pelo exemplo.
*Possui graduação em Biologia pela Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), especialização em Neurociência e Educação pelo Instituto Neuroeducação (IN), mestrado em Ciências e MBA em Gestão Escolar, ambos pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, faz graduação em Pedagogia na Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduação em A Moderna Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atua como professora de educação básica na rede privada, é coordenadora da pós-graduação Neurociência na Escola no Instituto Singularidades e docente de Neurociência aplicada a Educação e Neurociência e Bilinguismo, assuntos dos quais também ministra palestras e cursos. Foi finalista do Prêmio Dica de Mestre com o trabalho: Neurociência na sala de aula: vamos fazer neurônios. É colaboradora no livro Mais que Brincadeiras – Atividades que estimulam a Prontidão para a Aprendizagem em crianças de 3 a 8 anos, idealizadora e autora do blog Neurociência na Escola e professora do curso EAD Neuroeducação oferecido pela Editora Segmento.