O Novo Ensino Médio amplia a carga horária do segmento e rompe com a linearidade do currículo de treze matérias, dando um aceno não só para a Reforma Capanema, de 1942, que permitia ao estudante escolher entre o Clássico e o Científico, mas também aos cursos profissionalizantes e à possibilidade de trabalhar habilidades transferíveis para a vida prática e o mundo do trabalho. Entretanto, a nova estrutura, que vem como um alívio para as escolas com projetos que priorizam a formação integral do estudante, divide opiniões e traz desconforto ao mexer com as bases de uma cultura escolar construída em cima da preparação para os exames de acesso ao ensino superior.
A escola é um ecossistema complexo, e, enquanto unidade viva, transformou-se e influenciou o ambiente ao redor. Historicamente, isso se materializou por meio de reformas que incluíram ou excluíram o ensino de Línguas Clássicas, Secretariado, Química, Agropecuária, Mecânica, Caligrafia, Economia Doméstica, Educação Moral e Cívica, OSPB (Organização Social e Política Brasileira), dentre outros. Não é difícil encontrar testemunhos de sucesso entre pessoas escolarizadas dentro de cada um desses modelos. O fato é que, o modelo de 13 matérias não atende mais às necessidades de nossos jovens, e o argumento de que “funciona” se torna raso ao nos depararmos com os resultados do país no Pisa, por exemplo. O modelo de 13 matérias não somente falha ao preparar jovens mais críticos para a academia como também em prepará-los para o mundo do trabalho, e o resultado é a evasão, o desinteresse e a troca ou o abandono do curso nas universidades.
Não se pode descartar o que nós, educadores, aprendemos com esses modelos: a elitização gerada pelo Clássico e pelo Científico; a falência do ensino técnico obrigatório na rede pública; o boom e a queda dos cursinhos pré-vestibulares; e a obsolescência do ensino de habilidades, que deixaram de resolver problemas de uma sociedade em constante movimento e transformação. A nova proposta faz jus ao nome ao permitir arranjos mais aderentes ao perfil de cada comunidade escolar, mais conectados com as necessidades dos estudantes e da vida que os espera fora dos muros da escola. Como todo organismo vivo e complexo, o NEM se apresenta mais desafiador de se construir tanto do ponto de vista operacional quanto do gerencial.
A ampliação da carga horária de 800 para 1.000 horas anuais pouco afeta as escolas particulares, pois a maioria já praticava carga semelhante ou superior, todavia, a delimitação da Formação Geral Básica (FGB) em 1.800 horas da carga horária total dos três anos do Ensino Médio e a destinação de um mínimo de 1.200 horas para os Itinerários Formativos geram movimentos distintos: o de inovação, ao buscar oferecer Itinerários Formativos (IFs) que estejam alinhados com o DNA da escola, ou o de realocação dos conteúdos, não contemplado nas 1.800 horas para os Itinerários com uma roupagem minimamente diferente. A legislação não traz uma receita pronta, mas deixa claro que os componentes curriculares, agora chamados de unidades curriculares, podem e devem vir organizados dentro de pelo menos dois IFs, contemplando um ou todos os eixos (investigação científica, mediação e intervenção sociocultural, processos criativos e empreendedorismo) no formato de oficinas, clubes, observatórios, incubadoras, grupos de estudos, núcleos de criação artística e laboratórios, que podem ser oferecidos por semestre, ano, crédito ou módulo.
A flexibilização do currículo do Ensino Médio depende ainda de um outro ator, certamente, o mais importante deles: o estudante. É frequente ouvirmos que os estudantes são muito jovens para fazer escolhas tão importantes. Se não conseguiam aos 17 anos escolher uma carreira, como conseguirão escolher uma área de aprofundamento aos 14? Se você é fã do Homem-Aranha, o princípio de Peter Parker, materializado na voz do tio Ben ressoará na sua mente agora o seguinte: “Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”. O princípio se aplica tanto à liberdade de escolha dos alunos quanto à liberdade das escolas de desenharem a arquitetura do NEM. É por isso que, ao construir seu currículo, uma escola deve dar especial atenção ao Projeto de Vida.
O Projeto de Vida é o GPS que vai proporcionar ao estudante experiências de autoconhecimento e experimentação necessárias para fazer a melhor escolha e, em tempo, mudar de rota se assim julgar necessário. A mudança, que hoje acontece durante o ensino superior, ocorreria de maneira orientada durante o período de formação.
A implementação do NEM, como todo movimento que envolve o desacomodar de práticas amalgamadas em uma cultura, implicará em um período de transição, ajustes e desconforto das escolas; das famílias; dos gestores; das licenciaturas; das bancas, que fazem os exames de seleção e acesso ao ensino superior; e de tantos outros atores envolvidos nesse processo. Muitos ainda esperam que a mudança comece de trás para a frente, com as avaliações, o que novamente criaria modelos construídos para formar bons resolvedores de provas. São muitas perguntas para as quais não temos respostas prontas, pois essas respostas virão com a prática. Fica a certeza de que estamos dando mais um passo na direção do futuro. Qual futuro? Se sonhar for permitido, um futuro com mais protagonismo, engajamento e aprendizagens mais significativas para os jovens brasileiros.
CAROL CALIL
É professora e pesquisadora engajada no desenvolvimento de experiências de aprendizagem significativa. Possui formação em Letras Português Inglês, Especialização em Língua Inglesa e mestrado em Linguística Aplicada pela UNB e atualmente está cursando MBA em Gestão Escolar pela USP/Esalq. Desde 1999 trabalhando com educação, possui experiência no ensino regular e em escolas de idiomas, atuando no Ensino Médio em sala de aula e na gestão. Como coach do UNO, presta consultoria às escolas parceiras para a construção da arquitetura do Novo Ensino Médio e da formação de gestores e professores na busca de uma educação que busque formar cidadãos críticos, comprometidos e engajados na transformação da nossa sociedade.