Edi Fonseca*
A comunicação é o que nos diferencia dos outros seres, o que nos define como humanos; desde o choro, ao nascermos, e depois ao longo de toda a vida interagimos, trocamos mensagens e nos comunicamos.
Nesse contexto, a leitura se mostra uma das mais eficientes formas de aquisição de conhecimento, contribui para o desenvolvimento intelectual e é uma das chaves para que o indivíduo amplie sua compreensão de mundo. Além de tudo, é uma atividade deliciosa de realizar com as crianças!
Há cada vez mais pesquisas que comprovam a importância da leitura para as crianças – mesmo antes do nascimento. Especialistas afirmam que, entre o terceiro e o quinto mês de gestação, o aparelho auditivo dos bebês já está formado, o que permite que ouçam a voz da mãe e a reconheçam ao nascer.
No período intrauterino, os pequenos passam muito tempo escutando a voz e as batidas do coração da mãe, descobrindo a musicalidade, o ritmo e as diferentes entonações com que a genitora se expressa. Essa sonoridade será sua primeira referência marcante na vida. Pesquisas indicam que mesmo bebês recém-nascidos reagem de forma mais ativa às músicas e histórias com as quais tiveram contato durante a gestação.
O desenvolvimento da linguagem
Para a educadora colombiana Yolanda Reyes, especialista em formação de professores e pesquisadora na área de leitura para a Primeira Infância, entre o período da gestação e os três anos de idade os bebês passam por uma profunda transformação cerebral, com o estabelecimento de milhões de conexões entre os neurônios, as chamadas sinapses.
Conforme pesquisas mais recentes indicam, os bebês nascem com aproximadamente 100 bilhões de neurônios. Um adulto tem, em média, 20 bilhões. A diferença se dá porque os neurônios que não são estimulados deixam de realizar sua sinapse e morrem.
Esse desenvolvimento neurológico vai acontecer a partir da relação entre as condições genéticas e a qualidade das experiências vividas pelos bebês e pelas crianças – fatores decisivos para o melhor aproveitamento do potencial intelectual de cada um de nós.
Evélio Cabrejo-Parra, especialista em leitura na Primeira Infância, afirma que, desde a gestação, uma criança é capaz de sentir a modulação das vozes que “acompanha”. O bebê está imerso no ventre e escuta os batimentos cardíacos da mãe, o fluxo do sangue correndo nas veias, a voz e os passos maternos. Ao longo da gestação, já a partir do terceiro mês, cada nova leitura e interação “soam” como uma nova música para os bebês, e essa diversidade é fundamental para ampliar seu “repertório”. Segundo Cabrejo-Parra, o bebê não fala, mas escuta muito e, por isso, devemos falar com ele, como se ele compreendesse.
Com o nascimento, há uma separação física entre mãe e criança que impacta em todo esse processo: os “tempos” mudam e com isso surgem outros tipos de interação. Há o momento de colocar o bebê no berço, de trocar sua fralda, de dar de mamar… Esses novos tipos de interação vão demandar novas conversas, com a mãe, o pai e os cuidadores da criança nomeando o que está acontecendo e falando com ela: “Vamos trocar essa fralda?”, “O nenê quer mamar?”, “Você está com fome? O papai já vai cuidar disso.”, “Está na hora de dormir.”, “Vamos brincar um pouquinho, vem com a vovó!”.
A mãe, e quem mais cuida da criança, vai aprendendo os diferentes tipos de choro, decifrando e entendendo que cada um tem um sentido e um objetivo diferente; é o bebê percorrendo os caminhos da linguagem. Essa criança precisa ser vista, precisa dos olhos do outro, do pai e da mãe, para aprender, para constituir-se como indivíduo. Quando a mãe trata do recém-nascido como se entendesse o que ele “diz”, dá a ele um poder, um lugar no mundo.
Os acalantos e as cantigas que usamos para tranquilizar os pequenos ou fazê-los dormir são formas de recuperar essa tradição oral. Ainda assim, não é apenas a fala que “envolve” o bebê. Os gestos e as expressões, os carinhos e as massagens, as brincadeiras e pequenas cumplicidades, os cheiros, sussurros e olhares, tudo isso compõe uma experiência enriquecedora. Os pequenos gostam muito das brincadeiras cantadas, das histórias e anseiam pelas repetições, uma vez que elas lhes transmitem uma “regularidade”, a segurança do que já conhecem.
Com seu balbucio, exploram sua própria música e, apoiados nas vozes das pessoas que as cercam, constroem sua própria voz. Os adultos então compreendem e dialogam com o bebê por meio da sonoridade e melodia da língua, pelas modulações da voz. E, como ouvinte, o bebê vai se aproximando da literatura, aqui compreendida não apenas com textos que estão nos livros, mas também com o que se encontra na memória coletiva e na tradição oral.
Como se percebe, é possível planejar e oferecer experiências de leitura e conversa que contribuam com o desenvolvimento da linguagem e do imaginário dos filhos desde a mais tenra idade: um verdadeiro caso de amor que ainda vai contar com mais um elemento, os livros.
O triângulo amoroso – livro, adulto e bebê/criança
Quando mencionamos a importância do acesso a boas experiências e sinapses para a “construção” da inteligência, é importante deixar claro que não nos referimos a um “objetivo prático” ou escolar, de quem espera que, assim, o(a) filho(a) seja mais inteligente ou que aprenda a ler e se alfabetize mais rapidamente.
Os bebês têm necessidades psíquicas que podem ser alimentadas com a leitura. Eles são naturalmente atraídos pela musicalidade da voz, pela atenção que dedicamos a eles, pela troca de olhares. Ao ouvir o adulto, o bebê aprende a identificar os diferentes sentidos e intenções transmitidos e vai construindo sua própria “melodia”, com seus primeiros balbucios e sons emitidos, além do choro e do riso, que também representam formas de se comunicar, indicar desejos e necessidades e “solucionar” problemas.
Nesse processo de convivência e aprendizados mútuos, a leitura para os bebês se mostra especialmente valorosa pelo vínculo que estabelece e fortalece entre adulto-criança. A criança vai explorar os livros a partir de suas diferentes formas, cores e formatos, pelo cheiro do papel e até mesmo pelo gosto, já que “mordidas” e “lambidas” nesse objeto importante que seus pais trazem para perto são comuns nessa etapa.
Para o(a) pequeno(a) é uma fase de exploração, de fixar o olhar no leitor e no livro, de ouvir de perto ou de longe e às vezes até de forma aparentemente “desatenta”. Com isso, ele(a) vai se apropriando do objeto livro e do ritual da leitura, desenvolvendo sua imaginação e reforçando o contato físico e sensorial tanto com o livro quanto com o adulto que lê para ele(a).
O que a criança aprende quando alguém lê para ela?
A linguagem do cotidiano é diferente da apresentada nas leituras. Assim, pouco a pouco, as crianças vão descobrindo que “aqueles objetos” (os livros) possuem registros que, quando o adulto lê, está expressando algo que não vem de sua cabeça, mas sim daquelas “marquinhas escuras” uma ao lado da outra nas páginas dos livros. As crianças vão desejar se apropriar da leitura também!
Para que isso aconteça, são necessários muitos encontros entre o adulto, a criança e o livro. A criança aninhada no colo do adulto que lê para ela, destaca trechos com suas entonações, olhares e expressões, indica detalhes das ilustrações e, assim, ensina a olhar. Essa experiência vai marcar a existência da criança que, além das histórias e das ilustrações, vai se alimentar da companhia do adulto e da afetividade que os envolve naqueles momentos.
Dicas para os momentos de leitura
Mais do que as orientações práticas, vale compreender alguns conceitos que envolvem essa ação, disponibilidade e atenção. É fundamental que o adulto reserve momentos de sua rotina para dedicar-se especificamente a essa atividade, sem dividir sua atenção com outros afazeres. Estamos falando de acolhimento e cumplicidade, troca de olhares, estabelecimento de uma conexão.
Algo bastante simples e que também deve ser feito é criar um (ou mais) cantinho com livros em local acessível para as crianças. Na medida em que crescem, os pequenos exploram os espaços da casa e é desejável que criem o hábito da leitura e relacionem-se com os livros com naturalidade. Um aspecto interessante é identificar as preferências de livros, autores e temas da criança para começar a montar um acervo pessoal, reforçando o interesse.
É importante não ter receio de deixar que as crianças manuseiem os livros; o exemplo de contato, aproveitamento e organização para guardar os livros é uma ótima referência que podemos dar aos pequenos. Lembre-se: quanto mais contato com os livros, mais a criança vai saber como cuidar deles.
Mas, como escolher bons títulos? Como saber que autores e ilustradores apresentam qualidade? Onde encontro esses livros?
Como ponto de partida você sempre pode buscar a opinião de profissionais da área, como bibliotecários e até mesmo funcionários de algumas livrarias. Questione sempre aquilo que é apresentado pela mídia e procure ampliar o repertório descobrindo alternativas que nem sempre são as mais divulgadas pelo “mercado”.
Vale a pena buscar tanto os autores nacionais quanto os internacionais; considere sempre os textos que apresentam boas narrativas e bem escritas; dê preferência aos livros que não apresentem ilustrações e abordagens estereotipadas, que explorem diferentes técnicas e linguagens artísticas; projetos gráficos inovadores e livros com diferentes formatos também podem ser bem interessantes.
As histórias de repetição, de acumulação ou rimadas, costumam fazer sucesso com as crianças, pois possibilitam que elas memorizem o que está escrito e as retomem sozinhas. Livros que abordam o universo da criança, como as mais diferentes e possíveis situações com a família, os amigos, histórias com animais também costumam agradar. As parlendas, cantigas e os contos de fada e outros da tradição oral fazem parte de nosso legado cultural e são muito bem-vindos.
*Graduada em Pedagogia pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-graduada pela Faculdade de Conchas (Facon) no curso A Arte de Contar Histórias. Sócia-coordenadora da Roda Fiandeira – Consultoria em Educação e Cultura. Autora do livro Com olhos de ler (Blucher, 2012). Atualmente é colaboradora do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) e da revista Emília. Atua ainda como formadora de professores e gestores pela Comunidade Educativa Cedac e pelo Instituto Avisa Lá.