Bete Rodrigues*
É muito comum ouvir professores responsabilizando mães e pais por não terem educado adequadamente as crianças e os adolescentes. E é também muito comum ouvir a família reclamando que a escola não está ajudando a desenvolver cidadãos de caráter, empoderados e preparados para a vida – reclamam que as escolas focam apenas o vestibular.
Afinal, qual é o papel da família e qual é o papel da escola em relação à formação de crianças e adolescentes? Não estamos falando do mesmo indivíduo? Filhos e alunos são seres humanos em desenvolvimento que precisam de todo encorajamento que puderem ter para crescer saudáveis.
Recentemente ouvi um aluno adolescente reclamando que ninguém realmente se importava com ele – todas as conversas de adultos dirigidas a ele giravam apenas sobre suas notas e realizações. Sentia-se ouvido e valorizado apenas se tirava boas notas e cumpria todas as suas tarefas. Não conhecia o sentimento de amor incondicional. É como se não pudesse errar e aprender com seus erros. Será que os adultos que o cercam apenas o enxergam como aluno? Esqueceram que ele é um ser em desenvolvimento?
Se continuarmos a demonstrar interesse exclusivo pelas notas e cumprimento de combinados (que geralmente são regras impostas pelos adultos – pais e professores), estaremos fadados a nos distanciar deles e, provavelmente, nosso papel de educá-los será bem mais difícil. O que fazer então?
Há dicas importantes de disciplina positiva para mães e pais. Destaca-se algumas a seguir:
- Em primeiro lugar, procure estabelecer um elo de confiança com seu filho: ele precisa saber que você se importa com ele, independentemente de suas notas e realizações. Ele se sentirá empoderado ao saber que poderá contar seus erros (ok, talvez nem todos) para você e aprender com eles, em vez de querer escondê-los e distanciar-se de você, buscando essa atenção e afeto em outro lugar.
- Planeje tempo exclusivo com cada um de seus filhos – pode ser alguns minutos na hora de dormir, por exemplo. Geralmente é mais efetivo menos tempo de qualidade do que mais tempo juntos sem uma verdadeira presença e interação. Por exemplo, uma conversa verdadeira sobre seu dia, na qual você, adulto, relata suas conquistas e conversa naturalmente com seu filho sobre o que está acontecendo na vida dele, apenas ouvindo, sem julgar ou querendo aconselhar, tem um enorme valor.
- Lembrando que ensinamos mais pelos nossos exemplos e atitudes do que com nossos sermões e palavras, ajuda ter um momento do dia em que cada membro da família está realizando um trabalho individual, em silêncio, concentrado. Pode ser seu filho fazendo as tarefas da escola enquanto você lê ou organiza o jantar; de preferência, um momento sem eletrônicos ou distrações.
- As crianças muitas vezes não aprenderam a se organizar em relação aos materiais e tarefas. Nós, adultos, podemos ajudar construindo com eles um quadro de rotinas, com uma sequência de atividades diárias que acontecem em uma ordem combinada por todos.
- A lição de casa, por exemplo é a melhor oportunidade para o aluno realmente checar se aprendeu aqueles conteúdos, se é capaz de realizar sozinho, se tem dúvidas, reler, estudar, resolver. Além dos conteúdos, muitas habilidades são aprendidas quando eles realizam sozinhos suas tarefas escolares: responsabilidade, resolução de problemas, gerenciamento de tempo, concentração, autodisciplina, organização entre outras.
- Em relação às notas, as crianças precisam saber que suas expectativas são realistas. Apoie seu filho, ofereça ajuda ou um professor particular, se necessário, mas deixe que ele aprenda a lidar com suas tarefas e responsabilidades sem supervisionar cada passo e muito menos fazer coisas por eles que eles podem e devem fazer sozinhos.
- Você pode oferecer ajuda para pesquisas e trabalhos em ocasiões específicas, mas, à medida que seu filho cresce, deixe cada vez mais que ele resolva todas as questões escolares diretamente com seus professores e coordenadores.
- Quando houver reunião na escola do seu filho, procure levá-lo também para que todos os envolvidos possam juntos alinhar expectativas, discutir problemas, levantar ideias e criar corresponsabilidade. Geralmente as reuniões feitas apenas entre professores e pais não consideram a perspectiva do aluno e não o empoderam. Essas reuniões entre pais-aluno-professores são uma excelente oportunidade para juntos estabelecerem planos de ação realistas e focar nas possíveis soluções.
- Procure ouvir atentamente seu filho e seus professores se ele tirar notas baixas ou ficar de recuperação. Juntos, em parceria, escola e família podem resolver os problemas em vez de ficarem “culpando” e responsabilizando outros.
- Se o seu filho não está indo bem na escola, o que ele mais precisa é do seu apoio e encorajamento. Mais crítica, culpa e humilhação só vai desmotivá-lo a querer mudar essa situação. Vale lembrar que a inesquecível sensação de superação de desafios é uma das melhores lembranças que seu filho pode ter da escola: nada como encarar uma dificuldade e se organizar para lidar com ela. Esse é o maior objetivo dos pais e educadores: preparar as crianças para a vida, ajudá-las a desenvolver resiliência, persistência e coragem.
- E o que não fazer? Não superproteger, mimar, fazer por seus filhos coisas que eles já conseguem fazer sozinhos. Assim eles têm a oportunidade de aprender com as consequências de suas escolhas. As tarefas escolares são deles – eles são capazes de fazer sozinhos. Você ajuda se criar condições de trabalho: fornecer um local limpo e organizado e materiais necessários. Sua presença pode ser importante nos primeiros anos, mas sempre como a de um consultor que, esporadicamente, vai colaborar com alguma dúvida. As dúvidas devem ser levadas aos professores – esse é o melhor feedback que um professor pode receber: as dúvidas que os alunos trazem depois de tentarem aplicar o conteúdo aprendido sozinhos. Confie na capacidade de seu filho de aprender a organizar-se para decidir onde e quando fazer as tarefas e estudar para as provas. Evite conversar com seu filho apenas sobre escola. Lembre-se de que esses anos não voltarão e aproveite cada fase de desenvolvimento de seu filho, estimulando a curiosidade dele, demonstrando que se importa através de suas atitudes e, principalmente, divertindo-se juntos.
Em relação aos profissionais de Educação (professores, coordenadores, orientadores educacionais, diretores), recomenda-se o mesmo exercício de empatia e respeito mútuo. Muitos alunos passam mais tempo na escola do que em qualquer outro ambiente e, portanto, aprendem muito mais com o exemplo dos adultos nas escolas do que muitas vezes com seus próprios familiares.
Infelizmente, alguns professores (e escolas) focam exclusivamente o sucesso acadêmico, exigindo excelência e desempenho exemplar. Esquecem-se de que é na escola, onde os alunos aprendem a viver em sociedade, que se aprende sobre regras de convivência e respeito. Felizmente, com o apoio da Base Nacional Comum Curricular, todas as escolas no Brasil precisarão também trabalhar habilidades socioemocionais de uma forma mais intencional.
Também existem dicas valiosas para professores:
- Procure conhecer bem o seu aluno: nome, conhecimento prévio, interesses, necessidades, expectativas, dificuldades, cultura, atividades que realiza fora da escola, personalidade etc. – para poder primeiramente estabelecer uma conexão com cada um deles. Quando os alunos percebem que seus professores verdadeiramente os conhecem (há professores que sequer sabem os nomes dos seus alunos!), eles tendem a responder com muito mais dedicação e gentileza.
- Use todas as suas habilidades didáticas: planeje cada aula com cuidado, selecionando os melhores materiais e estratégias disponíveis e apresente os conteúdos de forma contextualizada para que os alunos entendam a importância e a utilização daqueles conteúdos em situações reais de vida. Os alunos percebem quando uma aula foi bem preparada, quando os professores gostam do magistério e fazem o seu melhor. Uma aula bem preparada motiva mais os alunos a querer aprender.
- E, no dia a dia, dê aos seus alunos oportunidades de usar o que você ensinou: errar e aprender com seus erros, acertar, perguntar, responder às inúmeras boas perguntas que você vai fazer. Dessa forma, enquanto vivenciam os conteúdos, poderão também aprender muitas outras habilidades além das acadêmicas: cooperação, resolução de problemas, habilidades de comunicação respeitosas, responsabilidade, paciência, autocontrole e tantas outras habilidades socioemocionais.
Quando família e escola fazem o seu melhor, focando as aprendizagens e o indivíduo e não a perfeição ou as notas, todos saem ganhando: são construídas e mantidas relações verdadeiramente empáticas, respeitosas e harmoniosas.
*Graduada e licenciada em Letras (Português e Inglês) e mestre em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Foi diplomada em Neurolinguística pela International Neuro-Linguistic Programming Trainers Association. Trainer em Disciplina Positiva para pais reconhecida pela Positive Discipline Association (da qual é membro), coach especializada em atendimento de pais, psicólogos e educadores pelo Integrated Coaching Institute (ICI). É também tradutora para o português dos livros sobre Disciplina Positiva.