Alcielle dos Santos*
“A adolescência decerto é a fase da vida em que mais se precisa da família: de sua atenção e de seu distanciamento gradativo, de seu afago e de seu empurrão no sentido de ”Vá em frente!”.”
Certa vez, um amigo me procurou para ajudá-lo a responder às perguntas: “Adolescentes: quem são eles? O que faço? Como cuido?”.
Ele tinha a difícil tarefa de produzir um material didático para estudantes do Ensino Fundamental, do 6o ao 9o ano. Pensando nesse pedido, logo me vi conversando nas redes sociais com minha sobrinha e filhos de amigos, fazendo algumas perguntas estratégicas que ampliariam minha visão desse universo. Eu sabia uma pequena parte das respostas, pois, por alguns anos, fui professora e depois coordenadora pedagógica desse segmento da Educação Básica. Porém, mesmo educadores se perguntam: “Será que alguém de fato sabe quem são esses ‘tais adolescentes’?”.
Para começo de conversa, tratamos de uma criança que já não mais pode (ou quer) ser chamada de “criança”, que ganha o nome de “pré-adolescente”: o prefixo anuncia quem ela ainda não é. Para a Organização Mundial da Saúde, aos 10 anos inicia-se a adolescência, mas no convívio sabemos que não é tão simples precisar uma idade que possa marcar essa mudança, um momento exato em que se dá a transição da infância para a adolescência, muito menos generalizar essa fase. Talvez por isso a maioria ainda utilize a nomenclatura “pré-adolescente”, ou seja, criou-se um estado intermediário em que se é e não é ao mesmo tempo, algo que muito comunica sobre meninos e meninas nessa faixa etária.
De fato, os primeiros anos da adolescência apresentam tantas mudanças que se torna difícil, até mesmo para os meninos e meninas, elaborar uma autodefinição. São pelos que se têm — mas não se têm —, seios que brotam, primeira menstruação, primeira ereção… Apesar do romantismo com que saudosistas veem esse período, quando paramos para nos lembrar desses episódios que compreenderam tantas mudanças físicas e emocionais, e os momentos de confusão que eles geraram, poucos de nós querem regressar à época da adolescência. E é um contrassenso que uma das frases que pais e mães enraivecidos mais pronunciam por causa das “aprontações” de filhos nessa faixa etária seja: “Quem você pensa que é?”. Diante de tudo isso, eu diria: nem eles sabem.
A propósito, as perguntas são muitas, bem como as dúvidas sobre para quem e como perguntar o que não se sabe e, por consequência, é possível compreender o comportamento inquieto, a mil por hora, dos adolescentes nessa fase. Recentemente, uma amiga afirmou que quem dá aula para o 6o ano faz qualquer coisa na vida depois. Ela tem razão: adultos que convivem com crianças na faixa de 10 anos precisam ter alto nível de jogo de cintura para lidar com desafios, pois são muitos os acontecimentos perturbadores e desestabilizadores que ocorrem o tempo todo junto a eles. É bem comum, por exemplo, ver grupos de meninos agredindo, cutucando, perturbando uns aos outros, e grupos de meninas disputando atenção, testando quem é melhor amiga de quem, investigando quem guarda segredo de quem. Em meio a tantas instabilidades e à falta de referência para interpretar as mudanças ocorridas no corpo — que se torna estranho, desengonçado –, o espelho que esse jovem tem é o amigo ou a amiga. Um espelho que é referência estética, mas também emocional, cultural/intelectual: eles estão todos no mesmo barco, e nós, querendo navegá-lo.
Em geral, tornou-se senso comum dizer que ”a culpa (pela instabilidade dos adolescentes) é dos hormônios”, mas o cenário é bem mais complexo. Além das mudanças fisiológicas visíveis, o cérebro desses jovens também está em desenvolvimento. Por exemplo, ainda está em formação o sistema de recompensa cerebral, conjunto de estruturas no cérebro responsável por premiar com prazer comportamentos que acabaram de se mostrar úteis ou interessantes. Os adolescentes têm um terço dos receptores para dopamina (neurotransmissor relacionado à sensação de prazer), por isso, precisam de experiências mais intensas, que estimulem mais a liberação da dopamina para sentir prazer. Também é por isso que, em meio à agitação, existe o desestímulo, a preguiça, a vontade de não fazer nada, o desinteresse por tudo que era interessante. Não só os brinquedos ficam de lado, mas também os pais, e assim os programas de família tornam-se muito menos interessantes que os jogos em rede com os amigos, por exemplo.
Trata-se de um momento difícil para pais que superprotegem e querem os filhos sempre para si, e também para aqueles que cobram autonomia total: “Você já está grande! Eu não quero mais ter que cobrar que faça lição”. É uma fase em que a autorregulação – “Eu não tenho vontade, mas preciso fazer” – ainda está se desenvolvendo de forma contextual. É bem comum que um mesmo menino já esteja muito interessado em beijar na boca, “ficar”, “pegar”, esforçando-se e dedicando-se para isso com autonomia e, ao mesmo tempo, esteja inseguro em relação às provas de Matemática, afirmando que só consegue estudar com a ajuda da mãe, ou que justifique ter ido mal na prova porque foi no dia seguinte ao da final do futebol.
Como equilibrar essas equações? Como ajudá-los a se descobrir e a se autodefinir? Talvez uma opção viável seja não buscar um caminho-padrão, não buscar “receita pronta”, como às vezes fazem mães de recém-nascidos que leem o mesmo livro sobre bebês ou que acreditam integralmente em aplicativos que explicam, fase a fase, o que acontece com a criança. À medida que crescemos, mais nos humanizamos e isso também passa pela diferenciação que nos individualiza e nos torna imprevisíveis e únicos.
A adolescência decerto é a fase da vida em que mais se precisa da família: de sua atenção e de seu distanciamento gradativo, de seu afago e de seu empurrão no sentido de ”Vá em frente!”, do chamego afetuoso ao acordar ou antes de dormir e do permitir faltar ou atrasar-se para a escola para, então, arcar com as consequências. Adolescentes precisam de mãe, de pai, de amigos, de gente para brincar, para rir, para alertar, para dizer “não”, para frear e para seguir ao lado, ou à distância, alguns passos atrás, zelando e torcendo por eles. “Aborrescentes”?! Que bobagem! Eles são o retrato de uma etapa tão especial da vida, aquela em que nos descobrimos mais humanos.
Doutoranda em Psicologia da Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Educação do programa Formação de Formadores, também pela PUC-SP. Pós-graduada em Aprendizagem Cooperativa e Tecnologia Educacional pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Licenciada em Pedagogia pela Universidade Metropolitana de Santos (Unimes) e graduada em Direito pela Universidade Católica de Santos (UniSantos) e em Administração de Empresas pela Fundação Lusíada. Atualmente, é professora universitária na Unimes e formadora de professores e equipes pedagógicas.