Maria Teresa V. de Carvalho*
Quando a criança vai para a creche ou para a pré-escola, está dando um grande passo fora de casa, partindo de seu primeiro grupo de convivência, a família, para pertencer a outros grupos e ter experiências coletivas fundamentais em direção à conquista do mundo. As instituições de Educação Infantil (creches e pré-escolas) devem ser entendidas como ambientes potentes, que têm papel importante no crescimento, no desenvolvimento e nas aprendizagens das crianças, bem como no processo de se constituírem enquanto sujeitos, construindo um modo único de ser.
Quando se trata de bebês e crianças muito pequenas, esse nem sempre é um momento fácil, e gera dúvidas e corações apertados. Quem já não ouviu ou mesmo falou “Coitadinha… tão pequenininha e já vai para a escola…”?É preciso, antes de tudo, olhar esse espaço como um bom lugar, que pode ser um lugar de crescimento, de convivências ricas e de muitos aprendizados. É preciso, antes de tudo, que seja um bom lugar não apenas para as crianças, mas também para os pais, que possam apostar nesse ambiente como lugar de valor para seu filho. Mesmo para aqueles que já fazem essa aposta e não sofreram no momento da escolha porque optaram por colocar seu filho em uma boa escola, é interessante que seja um lugar em que possam fazer boas trocas de experiências com outros pais e professores em sua convivência cotidiana.
Ser um ambiente de experiências significativas para todos. O que entendemos por isso?
Como a própria palavra diz, significativo quer dizer algo importante, relevante, expressivo. Um lugar onde faz sentido estar, que tem bons propósitos para quem o ocupa e dele passa a fazer parte. Cheio de significados. Um lugar para fazer parte da história da criança e de sua família e, por que não, um lugar onde a criança deixa suas marcas tornando também significativa sua passagem para aqueles que ali trabalham e convivem.
Para que isso tudo aconteça, é preciso considerar as especificidades dessas crianças tão pequenas e quais são suas características peculiares para, com isso, oferecer experiências adequadas a elas. Para bebês e crianças pequenas, podemos resumir que essas experiências são, principalmente, de acolhimento e continuidade, de explorações diversificadas, de convivências desafiadoras e prazerosas e, claro, de muito brincar! Em outras palavras, um lugar que promove bem-estar e um ambiente em que há acolhimento e cuidados permanentes, onde se brinca para viver e aprender, onde acontecem interações com diferentes pessoas de modo significativo.
Necessário, antes de desenvolvermos cada um desses tipos de experiências, lembrar que compreendemos a criança como ativa, participativa, competente, um ser que pode beneficiar-se de uma convivência coletiva, que pode ocupar-se e fazer descobertas com autonomia. Um ser presente, com características e necessidades próprias e não entendido apenas como um futuro adulto em quem devemos investir para quando crescer. As crianças têm uma organização própria, são expressivas, ávidas por explorar e conhecer, cheias de habilidades a seu tempo. Aprendem em constante movimento e interação.
Vamos pensar em cada um desses campos de experiência: acolher, brincar e conviver.
Falar de acolhimento na escola é falar da postura de cuidado. O cuidado tem uma dimensão específica na Educação Infantil. Cuidar e educar estão interligados; portanto, as atividades de cuidado não se diferenciam das atividades pedagógicas – ambas são aspectos da mesma experiência, do ponto de vista da criança. No momento de troca da roupa e higiene, da alimentação e do descanso, quando se machuca e precisa ser acudida, ao enfrentar um conflito com um amigo e o adulto intervém, sempre a criança está aprendendo alguma coisa. Aprende a cuidar de si, a cuidar do outro; aprende sobre seu corpo e suas necessidades; aprende que as pessoas com as quais convive têm semelhanças e diferenças que devem ser respeitadas.
Para que esse cuidado aconteça de modo adequado, ou melhor, para que seja um contexto de cuidado significativo, devem ser estabelecidos bons vínculos afetivos entre criança e adulto. São essenciais o olhar próximo e atento, a voz calma e clara e a escuta constante. O adulto deve estar atento e interessado na criança e conhecê-la com profundidade. É também imprescindível que se possa garantir encontros individuais e constantes entre adulto e criança. Encontros que sejam exclusivos, de intimidade entre essa dupla, para que se olhe de perto, para que o adulto possa falar mesmo ao bebê que ainda não fala, dirigindo-se a ele e relatando cada um dos acontecimentos que estão sendo vivenciados. Acredita-se que quando a criança vive momentos de relação cuidadosa e de atenção de exclusividade com os seus cuidadores ela consegue, em outros momentos, brincar de modo inteiro, interessado e concentrado, sabendo que alguém está por perto para socorrê-la, se necessário, e tendo o seu tempo de brincar preservado.
Antes que alguém pergunte: “Mas isso é possível em um lugar coletivo, onde um adulto tem que se ocupar de várias crianças ao mesmo tempo?”,afirmamos que existem maneiras de organizar tempos e espaços dentro de uma instituição, envolvendo todos os que nela trabalham, que podem garantir esse momentos de interação respeitosa com a criança. Acertos na rotina, espaços bem organizados, escolha de adultos-referência para cada criança e adultos atentos ao seu modo de falar, tocar, olhar e escutar os pequenos. O adulto pode se envolver significativamente com a criança, com seu ritmo e seus interesses, desde quando troca uma fralda de um bebê até o momento de parque quando responde a uma pergunta curiosa ou separa uma briga por um brinquedo sem gritar ou pegar de modo brusco no seu braço. Um adulto comprometido e responsável deve estar física e emocionalmente à disposição das crianças, buscando soluções adequadas para os desafios que o atendimento coletivo apresenta.
Embora a preocupação seja sempre com a criança, em como nossos filhos estão sendo atendidos, é bom lembrar que a preocupação com o adulto responsável por esse cuidado na creche e na escola faz parte de um contexto significativo. Desse modo, incluímos aqui os espaços contínuos de formação para os professores e educadores que se responsabilizam diariamente pelas crianças. Se eles têm um espaço garantido de estudo, escuta às suas dúvidas e possibilidade de trocas constante de experiências com coordenadores pedagógicos e outros parceiros, acreditamos que a observação atenta e a oferta de boas experiências às crianças serão mais facilmente garantidas.
Ser acolhido vai além dos momentos de separação, de dificuldades ou intercorrências. Devemos entender que oferecer boas atividades e um ambiente que convida à exploração e às descobertas também é oferecer um ambiente acolhedor.
Vamos então ao segundo campo de experiência, o de brincar e, com isso, o de organizar espaços para que o brincar aconteça. Generalizamos brincar como todas as experiências de exploração e aprendizagem, pois defendemos a ideia de que essa é, e deve ser, a principal tarefa dos pequenos.
A criança está brincando quando explora os movimentos de seu corpo ainda no berço, quando investiga as propriedades de um objeto desconhecido, quando chama o outro para correr e descobrir novidades, quando imita o mundo dos adultos, quando desbrava a natureza, quando ouve e inventa histórias, quando cria desenhos e faz construções. Enfim, a criança pode e precisa brincar o tempo todo. E se a escola proporciona tudo isso, está, sem dúvida, proporcionando muitos contextos significativos para ela.
O ambiente deve estar preparado para esses acontecimentos. É preciso ter cuidado com a preparação do espaço, a oferta de materiais e a distribuição das ações no tempo para respeitar as necessidades e demandas específicas da criança. De sucatas a fantasias; de carrinhos a blocos de montar, de caixas de papelão a livros de história. Baldinhos de areia, sementes, lápis e papel, tecidos, pneus, bonecas, bolas, instrumentos… São muitos os objetos e materiais que entram nesse jogo de brincar e explorar. Para cada um deles, uma proposta, um cenário, um jeito de convocar parceiros para brincar. Para cada um deles, uma aprendizagem específica sendo realizada; afinal, as crianças aprendem assim, fazendo e brincando. Por isso, as propostas oferecidas e seus respectivos planejamentos devem ser flexíveis e ter como ponto de partida o interesse e envolvimento das crianças. Dar espaço para a imaginação e para a investigação, lembrando que se existe uma característica infantil que é universal é a curiosidade. Há que se deixar a criança buscar resposta para suas perguntas de como funciona o mundo e as coisas do mundo. Deve haver tempo, espaço e materiais para a brincadeira constante, a exploração sensorial, a exploração motora e o contato com diferentes linguagens e a criatividade.
Assim, quando entramos na instituição de Educação Infantil queremos encontrar móveis à altura das crianças, brinquedos à mostra e acessíveis nos momentos apropriados, ambiente arejado e iluminado, cores equilibradas sem excesso de estímulos, espaços internos e externos com possibilidade de livre locomoção, desafios motores, estímulos sensoriais diversos, cantos de leitura e ainda marcas de crianças ocupando paredes e corredores.
Marcas aqui não são as sujeiras de seus dedinhos na parede, mas registros daquilo que está sendo realizado por elas: desenhos, pinturas, colagens e outras produções plásticas, imagens ou fotos com legendas que contam atividades interessantes realizadas pelos diferentes grupos e transcrição de uma música que foi cantada ou uma história que foi lida. É muito prazeroso para os pais entrar na escola e encontrar “vestígios de um bom dia” vivido pelo seu filho, assim como para a própria criança é muito bom reconhecer seus traços, suas brincadeiras, suas histórias e poder puxar seus pais pelas mãos para contar do seu jeito aquilo que realizou. Este é um modo de dar voz aos pequenos, deixar que eles contem o que é mais significativo em sua rotina institucional. Contar em conversas de roda, contar durante a brincadeira, contar com palavras, mas também com gestos e expressões que possam ser “lidos” e acolhidos pelos adultos.
Ter voz, autonomia para fazer algumas escolhas, liberdade motora nos limites de suas competências em cada faixa etária. Saber de si, encontrar objetos pessoais identificados, seja com sua foto, seja com sua grafia e seu nome escrito pelo professor. Saber coisas sobre seu grupo de companheiros de jornada que frequentam a mesma sala, os mesmos lugares significativos e aprendem coisas comuns a cada momento. Saber encontrar aquilo que procura nos espaços, sentir-se pertencente ao lugar que frequenta diariamente, assim como pertencente a um grupo específico de pessoas que compõe a instituição. Saber localizar-se no tempo, conhecendo as ações diárias que vai vivenciar e submetendo-se a regras de organização e comportamento coletivo, regras essas que, se colocadas de modo significativo e sabendo o adulto justificá-las, serão respondidas com facilidade pelas crianças, que precisam de referências claras.
Já estamos entrando aqui no terceiro campo de experiência citado anteriormente, o da convivência ou das diferentes interações. A criança deve ter a oportunidade de viver tipos diversificados de interações: com parceiros da mesma idade, crianças de outras idades e adultos atentos às suas necessidades e competências. Além disso, a convivência com seus parceiros também pode ser diversificada: em duplas, pequenos e grandes grupos e com momentos de individualidade, principalmente nas jornadas integrais, quando é preciso achar tempo para estar só, brincar quieto ou ser apenas observador dos acontecimentos.
Conviver em um grupo de crianças com idades semelhantes é uma fonte inesgotável de aprendizagem:
- Aprender a esperar a vez do outro.
- Aprender que podemos querer as mesmas coisas ao mesmo tempo, mas para isso vamos ter de achar um jeito de compartilhá-las.
- Aprender que existem outras famílias e outras histórias além das nossas.
- Aprender que brincar junto é mais divertido e enriquece a própria brincadeira.
- Aprender que é possível fazer perguntas e estabelecer diálogos com os amigos e parceiros.
É por isso que a escola deve ter um ambiente comunicativo e atento ao desenvolvimento da linguagem.
Para finalizar, retomamos o tema da família, desta vez não para lembrar que é ela que escolhe a escola, como foi dito logo no início dessa conversa, mas que a família pode contribuir para o enriquecimento do cenário cotidiano da jornada institucional de suas crianças. Um contexto significativo valoriza as diferentes culturas e histórias, que podem ser compartilhadas em bons momentos de convivência ou em momentos em que a família é chamada para contribuir com as diferentes aprendizagens das crianças.
Referências bibliográficas
BARBOSA, Maria Carmem. As especificidades da ação pedagógica com os bebês. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=6670>. Acesso em: out. 2018.
ORTIZ, Cisele; CARVALHO, M. Teresa V. de. No dia a dia da creche: como e quando se acolhe? Quem se separa de quem? Trabalho apresentado na Jornada do Instituto Sedes Sapientiae/Departamento Psicanálise com Crianças, o Olhar, a Palavra e o Silêncio na Clínica do Infantil, em junho de 2015.
*Psicóloga, psicanalista, mestre em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP). Trabalhou em creches e outras instituições de Educação Infantil em diferentes funções: diretora, coordenadora pedagógica e psicóloga. Atualmente, além de atendimento em clínica particular, trabalha com formação de professores e gestores de Educação Infantil. É professora do curso de especialização em Educação Infantil do Instituto Superior de Educação Vera Cruz e formadora e consultora do Instituto Avisa Lá. É coautora do livro Interações: ser professor de bebês – cuidar, educar e brincar, uma única ação (Blucher, 2012). Foi membro da diretoria da Associação Brasileira de Estudos sobre o Bebê (Abebe), na gestão 2015-2018.