Bete Rodrigues*
Até recentemente, a escola se voltou, quase que exclusivamente, ao desenvolvimento de habilidades cognitivas e produtivas, isto é, à transmissão de conhecimentos. Os professores eram vistos como os únicos que “sabiam” e, por isso, cabia a eles, como as autoridades da escola, ensinar os conteúdos e o que fazer com esses conteúdos. Em outras palavras: eles preparavam os alunos para as provas e o mundo do trabalho. Nesse cenário, o papel da escola era o de INFORMAR.
Essa visão cognitivista e conteudista ainda está presente nas escolas, mas como hoje esses mesmos conteúdos podem ser acessados com facilidade por qualquer um, a escola precisa se reinventar e ensinar a buscar e selecionar conteúdos, além de preparar os alunos para a vida.
Por outro lado, esperava-se que as famílias fossem as principais responsáveis por ensinar habilidades de vida e formar o caráter dos filhos. Em contraponto ao papel da escola, o papel da família era o de FORMAR.
O mundo e a sociedade mudaram.
O mundo e a sociedade têm mudado.
Isso significa que os papéis a serem assumidos pela família e pela escola também podem (e devem) mudar.
Infelizmente muitas escolas ainda não perceberam a necessidade dessa mudança e, por isso, culpam os pais pelos erros das crianças e jovens, esquecendo-se do seu papel formativo também. O contrário também é verdade: muitas famílias questionam o seu papel de informante.
Essas posturas, tanto de escolas, quanto de famílias, apontam para uma mesma direção: a ideia de uma educação conteudista e que visa exclusivamente ao vestibular no final da Educação Básica.
Em contraponto a essa ideia conteudista de educação, hoje, cada vez mais, espera-se que as escolas trabalhem as diferentes inteligências, inclusive a emocional, e preparem os jovens para a vida. Outros conhecimentos, além dos acadêmicos, devem ser ensinados: as habilidades socioemocionais.
Mas, afinal, o que são as habilidades socioemocionais?
As habilidades sociais ou interpessoais são aquelas que dizem respeito à capacidade de interação com outras pessoas, como, por exemplo, cooperação, colaboração, comunicação e resolução de problemas. As habilidades pessoais, emocionais ou ainda intrapessoais são as que focam no próprio indivíduo: autoconhecimento, autocontrole, autodisciplina, autorregulação, autoconfiança, autonomia entre outras.
Quando falamos no trabalho com diferentes inteligências, estamos recuperando um conceito de Educação Integral que visa desenvolver o ser humano por completo. O aluno não é mais visto como um ser passivo que vai apenas receber e decorar conteúdos e informações. Ele sabe onde e como buscar informações. O que ele precisa agora é aprender a lidar com elas. Afinal, muitas crianças e jovens passam muito mais tempo nas escolas do que em qualquer outro lugar hoje em dia.
Nossa sociedade atual, muito mais rápida e tecnológica, precisa de indivíduos resilientes, flexíveis, autônomos, curiosos, criativos, motivados, perseverantes, cooperativos e responsáveis. Essas e outras habilidades de vida são hoje tão importantes quanto o saber e o saber fazer – foco das escolas no passado.
Os adultos de hoje (tanto pais quanto professores) não aprenderam intencionalmente na escola a desenvolver essas habilidades socioemocionais. Raras eram as ocasiões em que os adultos ensinavam a identificar os sentimentos, a nomear esses sentimentos ou a lidar com eles. O que costumávamos ouvir era: “Isso é bobagem!; Engole esse choro!”; “Meninos não choram!”; “Meninas boazinhas não sentem raiva.”. Se nem com nossos sentimentos pudemos aprender a lidar nas escolas, como poderíamos desenvolver autoconhecimento, empatia e tantas outras habilidades necessárias para o desenvolvimento pessoal e para a convivência harmoniosa e respeitosa em sociedade? Poucos adultos de hoje desenvolveram conscientemente sua inteligência emocional e social.
Somos uma sociedade de pessoas cansadas, estressadas, ansiosas e deprimidas. Podemos fazer diferente com nossos filhos e alunos. Todos podemos aprender a nos conhecer melhor e, portanto, a nos relacionar melhor.
Daí a necessidade de autoconhecimento, aprender a cuidar de si mesmo, a respeitar suas necessidades básicas para eficazmente poder cuidar dos nossos filhos e alunos.
É preciso buscar escolas e abordagens que tenham esta preocupação: focar no desenvolvimento integral do indivíduo.
O que buscar? Uma mudança de paradigma. Não estamos mais falando de:
- ensinar como sinônimo de transmissão de conteúdos;
- relações verticais em que algumas pessoas têm privilégios sobre outras;
- extremos de autoritarismo ou submissão nas relações familiares ou de trabalho;
- esconder o erro e focar na perfeição;
- regulação externa: responsabilizar os outros pelos acontecimentos em sua vida;
- foco exclusivo em resultados e competição.
Estamos falando de:
- ensinar pelo exemplo, ser um mediador, um problematizador para que, em vez de apenas decorar conteúdos, nossas crianças e jovens possam aprender a resolver problemas e a criar, construir, pesquisar, ter um papel ativo em seu processo de aprendizagem;
- estabelecer relações horizontais nas quais todos os seres humanos têm os mesmos direitos, e as diferenças são respeitadas e valorizadas;
- manter interações mais equilibradas com gentileza e firmeza ao mesmo tempo;
- aceitar que errar é humano e ter a coragem de assumir nossos erros e aprender com eles;
- ter lócus de controle interno: assumir as consequências das escolhas da sua vida;
- respeitar o outro, além de si mesmo, com foco em colaboração e altruísmo.
O interessante é que, quando a escola passa a assumir a responsabilidade de, junto com a família, desenvolver essas habilidades nas crianças e jovens, passa também a desenvolvê-las em suas equipes de trabalho. Professores, gestores e outros colaboradores precisam desenvolver habilidades socioemocionais para serem exemplos para os alunos.
Bons profissionais geralmente investem na sua formação buscando cursos e especializações fora da instituição em que atuam, embora dentro dela tenham ótimas oportunidades de desenvolvimento profissional e pessoal. Ao ensinar, aprendemos. Ao planejar, revisamos, estudamos, refletimos e também aprendemos. Portanto, a melhor forma de realmente desenvolvermos diferentes habilidades sociais e emocionais é utilizando-as intencionalmente no nosso dia a dia.
O indivíduo do século XXI não precisa apenas das suas habilidades cognitivas e produtivas, mas também das suas habilidades socioemocionais, visto que as interações acontecem de uma maneira mais rápida e dinâmica. É urgente que família e escola desenvolvam indivíduos mais conscientes de sua responsabilidade social e que aprendam a cuidar melhor não só de si mesmos, mas a pensar nos outros e a cuidar de forma mais eficaz do planeta em que vivemos. Não dá mais tempo de responsabilizar o outro pela criação das próximas gerações: é de responsabilidade de todos nós adultos (pais e professores), através do nosso exemplo e de uma atuação intencional, prepararmos melhor as próximas gerações.
Dessa forma, em parceria, família e escola juntos podem construir uma sociedade muito mais empática, responsável e harmoniosa.
*Graduada e licenciada em Letras (Português e Inglês) e mestre em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Foi diplomada em Neurolinguística pela International Neuro-Linguistic Programming Trainers Association. Trainer em Disciplina Positiva para pais reconhecida pela Positive Discipline Association (da qual é membro), coach especializada em atendimento de pais, psicólogos e educadores pelo Integrated Coaching Institute (ICI). É também tradutora para o português dos livros sobre Disciplina Positiva.