“E nós, familiares, conhecemos nossos filhos? Sabemos o que eles gostam de assistir, ouvir, fazer, sobre o que gostam de falar? Conhecemos a fundo sua cultura?”
“Os jovens de hoje não se interessam em aprender nada.”
Já escutei essa afirmação muitas vezes. Mas será que isso é verdade? Será que vivemos uma crise de interesse do jovem em aprender?
Movido por essa pergunta, fui estudar sobre o interesse e também conversar com jovens de 10 a 16 anos. Cheguei à seguinte conclusão: a afirmação não é verdadeira. Os jovens se interessam, sim, em aprender muitas coisas. Estão aprendendo sozinhos e com outros jovens. Aprendendo a jogar videogame, a produzir memes, stories, vídeos, vlogs, fanfics. Parece-me que eles só não estão interessados em aprender as coisas que nós – adultos – estamos tentando ensinar-lhes. Será que a crise estaria, portanto, em nós? Ou melhor, qual parcela de responsabilidade temos sobre essa aparente “falta de interesse” dos jovens?
O interesse, em parte, é um sentimento individual e está ligado a algo vantajoso, útil ou relevante para o indivíduo. A própria origem da palavra “interesse” sugere aquilo que “está entre” (inter-esse). Ou seja, o interesse conecta o sujeito que se interessa ao objeto de interesse, os quais, de outra forma, existiriam distantes. Estar interessado por algo dependeria, simultaneamente, da história de cada um e da forma como o possível objeto de interesse é apresentado.
Para o educador e filósofo norte-americano John Dewey, o verdadeiro interesse significa que uma pessoa se identificou consigo mesma – ou encontrou a si mesma. Nessa perspectiva, o interesse não acontece exclusivamente por causa do objeto de interesse nem do sujeito que se interessa. O interesse se manifesta como uma inter-relação externa a sujeito e objeto.
Levando essa discussão para o contexto educacional, podemos pensar na seguinte questão: “De que modo podemos contribuir para que o jovem se interesse por novos conhecimentos? Será que o caminho é simplesmente ‘tornar as coisas mais interessantes’?”
Uma concepção já consolidada no meio acadêmico é que a aprendizagem necessita de interesse para acontecer. O interesse pelo novo conhecimento é como um gatilho que impulsiona a aprendizagem e estabelece as condições para que ela ocorra. E, para disparar esse gatilho, temos de conhecer profundamente o jovem e o conhecimento que será apresentado.
O interesse dos familiares e dos professores influencia muito o interesse do jovem. Por exemplo, se o pai ou a mãe se interessa por leitura, aumentam as chances de o filho também se interessar. Se o professor demonstra interesse e paixão pelo que está ensinando, aumentam as chances de o aluno também se interessar em aprender. Basta lembrarmos daquele professor preferido que tivemos, aquele com quem mais aprendemos: certamente era apaixonado pela disciplina que lecionava, ou seja, ao demonstrar interesse, despertou nosso interesse e, portanto, aprendemos mais.
Um bom educador deve conhecer muito sobre o que está ensinando, mas tem de conhecer muito mais sobre quem está apreendendo. E nós, familiares, conhecemos nossos filhos? Sabemos o que eles gostam de assistir, ouvir, fazer, sobre o que gostam de falar? Conhecemos a fundo sua cultura? Quem são as personagens preferidas? Quais são as histórias dessa cultura? Quais são seus valores? Para conhecer esse mundo, temos de mergulhar nele.
Vamos fazer um teste rápido. Os nomes e termos a seguir lhe soam familiares? Cellbit, Camila Loures, Dear Maidy, Manual do Mundo, O que não dizer, FunBabe, Mari Maria, O (Su)Real mundo de Any Malu, O estranho mundo de Jessy, Lucas Rangel, Dois Marmotas. São todos personagens da cultura de um adolescente de hoje. Se você já ouviu quase 100% dessas palavras, ótimo, você conhece a cultura do seu filho. Se conhece apenas 25% (ou menos), é hora de você mergulhar mais na cultura dele.
Não precisamos nos “tornar jovens” para conhecer a cultura de nossos jovens, mas temos de compreender seu mundo de forma aberta e sem preconceitos. É provável que, devido ao choque geracional, não consigamos entender muita coisa de imediato, mas devemos insistir. Conhecer outra cultura é como aprender uma nova língua. No início, não conseguimos entender o que os outros falam; com o tempo, vamos compreendendo cada vez mais.
Para que o jovem tenha interesse por algo novo, esse novo tem que se conectar com o seu mundo, e é preciso levar em consideração o que ele já aprendeu. Existem muitas teorias pedagógicas consolidadas que destacam a importância de o educador contextualizar o conhecimento a ser ensinado para que ocorra a aprendizagem. Contextualizar é trazer elementos da vida real do aprendiz para que o novo conhecimento se ancore em conhecimentos já adquiridos e em necessidades reais e, com isso, o processo de ensino e aprendizagem ganhe sentido e significado. Perceber o que o aluno já sabe e alinhar esse conhecimento prévio ao que será ensinado é fundamental para que ocorra aprendizagem significativa.
Portanto, para aumentar as chances de seu filho ou filha se interessar em aprender algo novo, apaixone-se e se interesse você também por esse conhecimento novo. Apresente esse conhecimento com entusiasmo e, principalmente, conecte-o à cultura do jovem, ligando aquilo que se quer ensinar ao mundo dele. Para isso, mergulhe fundo e conheça muito bem a cultura juvenil. Desse modo, você conseguirá ensinar algo que certamente o interessará. E, interessado, ele aprenderá mais rápido e com mais profundidade.
Rodrigo Pucci
Educador, psicólogo educacional formado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), mestre em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP). Liderou por anos a equipe de coaches pedagógicos do UNOi educação e, atualmente, colabora no processo de concepção, design e desenvolvimento de recursos educacionais na Diretoria Editorial também do UNOi educação. É sócio-fundador da Alice Educação, especializada em implantar práticas de educação integral em escolas brasileiras.