Basta fazer uma busca rápida na internet para descobrir um mundo de informações sobre o desenvolvimento de competências socioemocionais. O acesso ao conteúdo é rápido, fácil e encontram-se muitos recursos de qualidade. O meu texto certamente fará parte do conjunto de conteúdos relacionados ao tema no ciberespaço. Mas a questão central que gostaria de abordar é: por que ainda é tão difícil ampliar boas práticas com programas socioemocionais nas escolas? Por que conteúdos acadêmicos, fechados, que pouco se relacionam com o desenvolvimento integral dos estudantes, ainda ocupam de 80% a 90% dos currículos escolares? Como organizar espaços e tempos para programas socioemocionais?
Quando se trata de foco no “outro”, uma prática ainda desafiadora nas escolas, mesmo com indicadores, com “o mundo” de informações na internet, normativas e recursos existentes, são os espaços e tempos dedicados ao desenvolvimento de práticas pedagógicas voltadas para os programas mais abertos que ficam limitados. Será que ainda organizamos a escola, mesmo com contextos incertos, em torno de tempos e de métodos mecânicos de aprendizagem? Não precisamos ir distante para ver que a prática em sala de aula, na maioria das vezes, ainda se concentra em memorizar o passado, em separar os professores por disciplinas e em testar os velhos campos do conhecimento, em vez de proporcionar aos alunos como acessar e entender a sua curiosidade intelectual e a sua capacidade de desenvolver a criatividade, a sua imaginação e o seus modos de agir e sentir.
O grande desafio que se configura atualmente é no “como” investir nas competências cognitivas/acadêmicas e também nas competências socioemocionais. Em um ambiente de intensas transformações e rupturas, existem poucas respostas definitivas. O cenário atual configura-se complexo, ambíguo, volátil e incerto. Tudo faz confirmar que, em tempos de coronavírus e isolamento social, com milhões de crianças e jovens dentro de suas casas, com aulas online há aproximadamente um ano e tendo de lidar com uma rotina nunca vivenciada, a mudança da ideia socioemocional para o processo socioemocional precisa ser considerada com urgência.
Até que ponto estamos longe de notar o outro? Até quando o currículo, os espaços de formação de professores e os programas educacionais estarão pouco conectados com a aprendizagem social e emocional? Sem sintonia, sem empatia, sem estarmos preocupados se a pessoa precisa de ajuda. E, também, qual é a probabilidade de que realmente podemos ajudar? Acho que a chave para demostrar compaixão, ser uma criança ou pai amoroso, ou mesmo um colega de trabalho ou cidadão, é estar em sintonia com os dilemas que as pessoas estão enfrentando e se mostrar disposto a fazer alguma coisa a respeito.
Sabemos que crianças e jovens têm o direito de desenvolvimento em todas as suas dimensões. Entendemos que o caminho é oferecer uma educação integral para todos, voltada ao desenvolvimento pleno dos estudantes, nos âmbitos cognitivo, socioemocional, cultural, entre outros, preparando-os para fazer escolhas com base em seu Projeto de Vida.
Na BNCC, as competências socioemociais estão presentes em todas as dez competências gerais. Reforço duas para evidenciar o que menciono anteriormente. “Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.
Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.” Como? Como implementar práticas educativas voltadas ao desenvolvimento integral?
1 – Currículo e cultura
A organização curricular é o primeiro elemento para responder aos questionamentos sobre como trabalhar competências socioemocionais, o que a escola pretende ensinar, para quem e como a escola vai fazer isso.
O “Eu”, o “Eu e o outro” e o “Eu e o mundo”, aqui podemos colocá-los no “para quem”, que é que deve ser o pano de fundo para a escrita do currículo. Isso deve orientar “o que” deve ser ensinado, quais conteúdos, e o “como” e quais métodos serão utilizados. Se o currículo da escola ainda não prevê objetos de conhecimento relacionados de forma mais aberta, organizações interdisciplinares e transdisciplinares e experiências de aprendizagem mais formativas, a visão mais integrada de desenvolvimento, incluindo um programa efetivo de formação socioemocional, ficará distante da sala de aula.
O que o currículo da escola diz sobre a prática com programas e projetos para desenvolvimento das competências socioemocionais vai dizer muito daquilo que ela pretende realizar.
Acredito que, apenas agora, com os últimos acontecimentos que abalaram a estrutura das escolas, começamos a repensar nossos saberes sobre o desenvolvimento humano de maneira mais integrada: cognitiva, emocional, espiritual e energética (mente e corpo conectados). É preciso, antes de qualquer ação, discutir e reelaborar o currículo como cruzamento de práticas escolares, que deve contemplar a aprendizagem social e emocional. A soma das duas é a educação integral do estudante.
2 – Formação dos professores
Não é fácil abrir mão de estilos de instrução mais antigos. O processo de mudança real passa por dor, ansiedade e resistência. O desenvolvimento de competências socioemocionais também precisa estar no programa de formação dos professores. O pesquisador Peter Senge, no seu livro A quinta disciplina, enfatiza a necessidade de desenvolvermos, diariamente, o nosso domínio pessoal. As pessoas com alto nível de domínio pessoal são capazes de expandir continuamente sua capacidade de criar na vida os resultados que realmente procuram. O que os professores precisam aprender para trabalhar com um programa socioemocional de forma integrada? Em resposta, o pesquisador da educação Michael Fullan comenta, em seu livro O significado da mudança educacional”, que todo mundo defende que uma criança pode aprender, mas que nem sempre estamos preparados para dizer que todo professor pode aprender. Por mais tradicional que seja a prática de um grupo de professores, todos, sem exceção, quando inseridos em um programa personalizado, podem aprender.
A formação dos professores é um passo contínuo para responder ao “como”. Os professores precisam se inserir em comunidades que se ajudem continuamente. Temos que garantir que não estejam recebendo um “treinamento superficial”. Não basta assistir a uma palestra sobre competências socioemocionais, estar diante de algumas telas de slides e organizar o plano de aula com um tempo semanal para realizar as atividades sobre emoções. Em vez disso, precisamos abrir mais espaços “formativos reflexivos”, encorajando redes de pares fortalecidos que transformem a cultura da escola. Quais são os tempos e espaços formativos da sua escola? Quanto tempo anual é dedicado para as formações de professores?
3 – Tempos, movimentos e recursos
Qual é o espaço, na tradicional “grade de aulas”, que será dedicado ao trabalho com programa socioemocional? Qual é o lugar do programa no desenvolvimento dos alunos na sua escola? Percebam que eu poderia voltar no ponto 1, sobre currículo, ou no ponto 2, sobre formação dos professores. Tudo precisa estar conectado e aberto. Aqui está o ponto 3, que destaco, como outra chave para estabelecer um bom processo, que é investir em espaços de tempo dentro da rotina escolar, ferramentas de desenvolvimento e materiais didáticos apropriados, que permitam aos estudantes e professores desenvolver e articular suas capacidades individuais e coletivas que se manifestam nos modos de pensar, sentir e nos comportamentos ou nas atitudes para se relacionar consigo e com os outros.
Se a aula para “falar sobre emoções” for colocada no último tempo do dia, depois da aula de Educação Física ou após algumas aulas online de Matemática, certamente ela não ocupará um lugar estratégico para o equilíbrio entre competências cognitivas e socioemociais. Quando o assunto é tempo, a ideia é conectar espaços existentes para trabalhar de forma interdisciplinar ou transdisciplinar. Qual é a metodologia? Quais são os projetos integrativos? Como aproveitar mais as orientações, aquelas que estão nos materiais didáticos desenhados, com orientações para os professores, para desenvolvermos aulas conectadas entre o cognitivo, o social e o emocional?
Provavelmente, alguém já disse: “Não tenha medo de mudar”. Eu termino o texto com algo diferente. Digo, tenha medo de mudar. Sinta o medo e todas as emoções que estão escondidas na angústia de “dar conta de tudo”. Precisamos sentir em nós, sentir com o outro e interpretar o impacto que uma ação pode ter no mundo. O essencial e o lugar de destaque na formação das nossas crianças e dos nossos jovens necessitam estar na predominância das competências cognitivas/acadêmicas no currículo escolar. Algo para se perguntar, pensar e agir.
O convite é para agir a partir do futuro, revisitar a estrutura pedagógica do currículo, perceber os alunos, sentir-se incomodado com o estado atual do processo formativo dos professores, mover-se do lugar que está muito centrado nos conceitos do passado. Venha agir no agora, entregue-se à realidade. Que tal prototipar novas ideias para o programa socioemocional? Como? Seja mais aberto ao novo.
Por fim, deixo mais uma provocação de uma importante mentora intelectual que tive na minha vida: O que te impede?
Leonardo Rabelo é professor, possui formação em História e psicopedagogia e especialização em educação para a infância. Desde 2008 na área educacional, possui experiência em diferentes setores da instituição escolar. Iniciou a carreira como professor do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, atuou como professor especialista na Educação Infantil e Anos Iniciais, foi gestor pedagógico, mentor de iniciativas de formação para professores inovadores e realizou atendimento psicopedagógico em equipe multiprofissional na área clínica. Possui experiência em práticas inovadoras da gestão da sala de aula. Foi coach pedagógico do UNO, atuando em mais de 70 escolas. Atualmente, é supervisor pedagógico do Projeto UNO educação.