A expressão “dados são o novo petróleo” foi criada em 2006 pelo inglês Clive Humby, especialista em ciência de dados, e tornou-se conhecida e muito utilizada para defender a importância dos dados e das informações na sociedade atual. A complementação dessa expressão é também bastante interessante e desafiadora: “eles são valiosos, mas não poderão ser utilizados se não forem refinados (…), portanto, os dados devem ser segmentados, analisados, para que tenham valor”.
Eu costumo dizer que a escola é uma “fábrica de dados” pelo simples fato de que a sua existência como instituição naturalmente gera muitos dados em seu dia a dia. Esses dados são de natureza diversa, tais como: notas dos alunos em avaliações, frequência dos alunos, dados de comunicação da escola com as famílias, registro de atitudes comportamentais, entre outros. Infelizmente, apesar da riqueza dessa massa de dados, eles, muitas vezes, não são utilizados como base para a estruturação de ações estratégicas da escola.
A dificuldade de organizar esses dados e torná-los acessíveis aos educadores é a primeira barreira que as escolas encontram para a implementação de uma cultura de dados. Essa barreira tem caído ano após ano, com a adoção de novas tecnologias que são capazes de gerar e armazenar esses dados. Podemos aqui citar como exemplo a adoção de aplicativos de agenda escolar, que tornam acessível aos educadores toda a comunicação da escola com a família.
Entretanto, quando pensamos em utilizar estrategicamente os dados pedagógicos a favor do desenvolvimento e da melhoria da aprendizagem dos alunos, é preciso ter em mente a segunda parte da expressão de Humby. Os dados precisam ser refinados, segmentados e analisados. Dados sem tratamento específico são apenas amontoados de caracteres. Para que tenham valor, é preciso convertê-los em informações relevantes, o que só é possível a partir da segmentação e análise destes. Se tais informações forem geradas, os educadores poderão planejar ações e intervenções efetivas a partir delas. Em resumo: dados devem gerar informações, que, por sua vez, devem gerar ações.
Uma vez que essa abordagem tenha sido entendida, é muito natural que os educadores se perguntem por onde devem começar. Como colocar isso em prática no cotidiano escolar? Quais são os dados que podem ser convertidos em informações mais facilmente e imediatamente?
Dentre todos os dados disponíveis na escola, aqueles referentes ao Enem são uma excelente escolha para dar início à implementação de uma cultura de uso de dados. A minha indicação por esse conjunto de dados específicos se baseia no fato de que as médias do Enem são a principal referência em termos de dados públicos consolidados a respeito das escolas privadas e que podem ser acessados anualmente. Isso não significa que uma escola deva trabalhar apenas em função das notas do Enem, mas como instituição educacional não podemos ignorar a importância do conhecimento e da necessidade de gestão desses indicadores.
Além disso, os indicadores do Enem são bastante sensíveis às mudanças nas práticas pedagógicas do Ensino Médio. Se eles forem analisados criteriosamente, e as lacunas forem devidamente identificadas, será possível planejar ações específicas de intervenção juntos aos alunos, cujos resultados poderão ser verificados nos indicadores do exame. Ao analisar os resultados do Enem em um determinado ano, a escola poderá, por exemplo, definir metas a serem atingidas em cada uma das áreas na próxima edição do exame.
Uma excelente forma de gestão e acompanhamento da evolução dos indicadores do Enem é a aplicação de alguns simulados durante o ano, de preferência que forneçam dados comparáveis ao exame, com resultados calculados pela Teoria de Resposta ao Item (TRI). A partir dos resultados dos simulados corrigidos pela TRI, a escola poderá:
- definir metas específicas – para cada área do conhecimento – a serem atingidas no próximo Enem e utilizar os dados dos simulados para verificar o progresso;
- fazer uma análise estatística de distratores (alternativas incorretas) para entender com precisão as principais lacunas e gaps de uma turma, a partir das quais os professores poderão planejar revisões de conteúdos específicos;
- identificar grupos de alunos que apresentem dificuldades em comum e planejar ações direcionadas a pequenos grupos, por exemplo, no contraturno;
- orientar os alunos para que façam a revisão da avaliação, de maneira personalizada, considerando uma ordem individual e específica de priorização de questões que erraram, a fim de maximizar o desempenho;
- simular com antecipação a aprovação ou não dos alunos em universidades públicas e traçar um plano de melhoria para que a vaga almejada seja conquistada.
Considerando os pontos que foram listados como possibilidades de trabalho com dados de um simulado, é fácil percebermos que a implementação de uma cultura pedagógica baseada em dados não se encerra com a publicação e o acesso aos resultados, pelo contrário, é a partir deles que a jornada se inicia. Nessa perspectiva, os simulados deixam de ser apenas mero momento de treino para os alunos e assumem forte papel de diagnóstico para os educadores, podendo dar origem a ações formativas que resultem em aprendizagem significativa para os alunos.
Vinícius Freaza é bacharel e licenciado em Química pela USP. Possui pós-graduação em Didática e Metodologia do Ensino e pós-graduação em Gestão da Inovação pela Ufscar. Atuou como professor de Química na educação básica por 13 anos. Desenvolveu e implementou projetos de inovação e tecnologia educacional em diversos estados brasileiros. É sócio-diretor da Evolucional, empresa que atua na área de avaliações externas e indicadores, atendendo a mais de 3 mil escolas em todo o Brasil.